Este ano houve um erro de estimativa da safra. Você sabe de quanto foi este erro e quais foram as variáveis que concorreram para este fato?
O erro se deu devido à falta de pesquisas diretas e à falta de acompanhamento das lavouras. Provavelmente esta estimativa foi feita com base em dados históricos e na área cultivada com cana. O erro passa de 70 milhões de toneladas. Ocorreram alguns fatos que contribuíram, desde o ano passado, para a perda de produtividade: a extensa seca do ano passado, os canaviais envelhecidos e não renovados por falta de recursos, o rescaldo da safra de 2009 realizada sob alta umidade que deixou canaviais pisoteados, com brotação de soqueira muito falhada. No centro-sul há mais de 35% de áreas de fornecedores de cana que sofreram com a crise de preços e também não fizeram tratos culturais adequadamente. Teve também o engodo da cana bis que se esgotou em 2010. Quando chegou 2011, as soqueiras destes canaviais brotaram muito mal devido à seca, além do envelhecimento dos canaviais. Tudo isso ajudou a quebrar a produção.
Como está a qualidade da muda para este plantio? Com a geada e o florescimento, as mudas nas regiões mais afetadas por estes fenômenos não terão quantidade e qualidade suficiente para atenderem a demanda projetada pelas usinas?
Sim, é verdadeiro e isso leva a uma piora no quadro de qualidade dos canaviais, pois as usinas e os produtores deverão plantar qualquer tipo de cana de 3º ou 4º cortes sem tratamento e sem vigor. Qualquer variedade servirá para atender o plantio desde que esteja sem gema morta ou brotada. Isto certamente se refletirá no futuro com quebra de produtividade destes canaviais que estarão repletos de pragas e doenças. A geada também vai ajudar à falta de mudas para o próximo ano, pois os canaviais a serem plantados no ano que vem também deverão enfrentar a falta de mudas sadias e variedades adequadas. A situação anterior se repetirá num ciclo vicioso.
O que poderá ser feito para os números serem mais assertivos para as próximas safras? Se é que houve um erro de estimativa significativo na sua percepção.
Primeiro, os levantamentos devem ser realizados por empresas especializadas como o GRUPO IDEA, por exemplo, que tem tradição na realização destas pesquisas e pode avaliar como está o desenvolvimento dos canaviais. A verdade é que ninguém quer investir nisso e fazem as coisas em seus escritórios, por e-mail e telefone de forma subjetiva. Não são pesquisas, são consultas.
Segundo, os órgãos oficiais e as entidades de classe ou centros de pesquisas ligados a eles não devem ser portadores de estimativas de safra, pois, por melhor que façam, os players sempre colocarão seus resultados em dúvida.
Acho que o ideal seria contratar empresas especializadas para tanto. Terceiro, a situação não deve melhorar, pois agora a ANP deve solicitar dados de safra para realizar este acompanhamento. Não sei se receberão dados corretos.
Nos últimos anos, quanto as usinas deixaram de investir nos canaviais?
O dinheiro que entrou no Brasil foi para transferência de controle acionário e não para novos projetos. Esta tendência continua, pois tem muitas usinas em processo de venda ou transferência de parte de suas ações. Os fornecedores estão em situação muito pior, não investiram praticamente nada nos últimos três anos. Há uma defasagem de reforma de canaviais em torno de 30% a 40%.
E neste ano? As usinas voltarão a investir pesado em tratos culturais, renovação e até mesmo expansão?
A expansão nas regiões tradicionais está proibitiva, pois os preços dos arrendamentos subiram à estratosfera. A este fato deve ser acrescido o esgotamento de áreas para expansão.
Todos estão investindo mais em tratos culturais na esperança de recuperar a produtividade agrícola. Isto ajuda um pouco mais não resolve, pois canaviais velhos, falhados, pisoteados, cheios de pragas e doenças não respondem bem. O ideal é reformar estas áreas. A renovação vai implicar em menor oferta de cana para o próximo ano, muito embora o plantio de cana de inverno e de ano deve ser um dos maiores da história, pois a falta de cana, etanol e açúcar promete bons preços para o próximo ano e isso está estimulando novos plantios, principalmente em áreas de reforma.
Em quanto estes investimentos devem aumentar?
Em quatro anos precisamos investir 40 bilhões no setor em formação de novos canaviais e criação de novas usinas. Caso isto não ocorra, perderemos grande oportunidade e também uma fatia do mercado interno de combustível já conquistado.
Acho que haverá uma acomodação em níveis um pouco mais abaixo do que as projeções otimistas divulgadas. Isto deverá ocorrer em curto prazo e estimulará um crescimento mais sustentado da produção de cana e da oferta de etanol. O crescimento desordenado, como ocorreu, gera desequilíbrio no mercado.
O maior problema é que só recuperaremos os mesmos níveis de produção em três anos e, quanto isto acontecer teremos outra crise de preços, pois não temos uma política de controle de estoque e preços. O setor continuará vivendo de soluços com o sobe e desce de preços que acaba estimulando concorrentes em todo o mundo. Quando sobe o preço do açúcar, os países exportadores investem pesado e a oferta internacional de açúcar sobe e, em consequência o preço volta a cair.
O etanol é um produto exclusivamente de mercado interno e deveria ser tratado com mais atenção pelas usinas que pouco investem nos consumidores finais.
Os clientes das usinas são as distribuidoras. A ÚNICA tem feito alguma coisa, mas ainda é pouco. Os investimentos em promover o etanol no exterior foram válidos, mas resultaram em quase nada, pois não crescemos para ofertar o produto. Estamos muito longe disso.
O País precisará produzir muito mais cana até 2020 para atender às demandas de etanol e açúcar. Além do aumento da área plantada, você acredita que em regiões onde há déficit hídrico poderão ter maiores investimentos em irrigação?
SIM. Esta será a única alternativa para continuar crescendo.
Você acredita que os investimentos que podem vir a acontecer serão feitos através de recursos próprios ou financiamento que a usinas terão de fazer?
Investimentos vem de fora do país. Aqui dentro poucas usinas têm capacidade para isso a não ser aquelas que receberam aporte de capital estrangeiro. Aqui, o papel do BNDES será muito importante desde que os projetos já aprovados sejam desengavetados. O setor não tem garantias reais para dar e os financiamentos não saem.
Poderemos ter, ao final da safra 2011, um super plantio?
Não. Será um plantio um pouco acima da média histórica, talvez seja plantado algo ao redor de 1,8 milhões de hectares entre reformas e expansão. Durante o período de 2005 e 2008 plantou-se 1,5 milhões de hectares em cada ano safra.
Qual é a tendência com relação ao próximos anos no mix de açúcar e álcool?
Deve voltar ao normal em 2013, ou seja, 43% de açúcar e 57% de etanol, pois o mercado deve se reequilibrar.
E na indústria? Como ocorrerão os investimentos? Como as usinas vão preparar sua área industrial para a cana que virá?
Não creio que será muito elevado, mas devem ocorrer novas ampliações de moagem e de açúcar. Os grupos e fundos de investimentos ainda estão muito cautelosos tanto para investir como para fazer novos greenfields
Fique a vontade para acrescentar as questões;
O pior do setor é a perda de competitividade, quando os preços recuarem para patamares históricos teremos uma nova crise de investimentos. Em menos de 5 anos será impossível, para um pequeno agricultor, viver da sua produção de cana. Algo precisa ser feito. Talvez o próprio setor se reequilibre como está se reequilibrando agora. Todos falam que pode faltar etanol, mas nós não acreditamos.
A alta dos preços colocou um freio no consumo que se reduziu em 3 bilhões de litros no primeiro semestre. Esta tendência continuará e o mercado fará a sua parte. Os preços devem se manter no atual patamar ou até subir mais um pouco, mas se subir muito sobrará etanol e faltará gasolina.
Quero deixar aqui mais um alerta: a seca deste ano está sendo tão prejudicial quanto a que ocorreu em 2010. Isto certamente se refletirá na produção de cana da próxima safra, tal e qual ocorreu neste ano.